Páginas

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Dear VI


Eu precisava contar-lhe tudo que acontecera. Mas a dor era grande. O pesar daquele músculo involuntário era constante. Avassalador, pertinente. A minha vida não fazia mais sentido depois que Joe partiu, mas nesse momento, eu precisava contar-lhe a verdade. O que deveras, aconteceu. Eu podia perceber a sua inquietação, ele estava perdido nas minhas palavras. Eu era como uma incógnita para Joe.
– O que você quer dizer com... Filho? - De cabeça baixa, ainda abraçando-me, ele perguntou. Eu respirei fundo e enxuguei parte das lágrimas, elas não pararam de cair. – É Joe, eu en... engravidei. Dentro de mim havia um feto. Nosso lindo feto. – Ele afagou meu rosto com as suas mãos e o puxou para ainda mais perto do dele – Aonde Margareth? Onde está? É menino ou menina? – A sua inquietação me afetara. Ele deixou-me perdida, eu não sabia como respondê-lo. Aquilo tivera me matado um dia.
– Joe, eu não sei como te explicar, não sei por onde começar. – Com o olhar fixo ele gritou e eu tremi. – Margareth, conte-me o que aconteceu. Ele implorara aos prantos.
– Era uma menina, Joe. Uma linda menina. Depois que você partira nada mais fazia sentido para mim. Eu só tinha a você, como lhe disse em uma das cartas que enviei, era você que eu recorria em momentos de aflição, e de repente, eu não tinha mais nada. As colegas não eram o suficiente, na verdade, eu me afastei de todas elas. Não fazia questão de tê-las ao meu lado. Eu estava grávida e sozinha. Nenhum parente. Ninguém. Era somente eu e meu feto, nosso feto. Mas você não sabia nem que ele existia. Você não me procurou depois da nossa discussão, você simplesmente não se preocupou comigo. Eu decidi então não procurar-lhe nunca mais, doei nossos móveis, mudei-me para um apartamento menor e tentei seguir a minha vida. Era difícil, fazer tudo sozinha, viver sozinha. Eu era jovem e imatura demais para assumir uma criança sem ninguém para me orientar e me ajudar, mas eu estava decidida, eu a queria. Era tudo que eu tinha. Meu tesouro, meu bebê. Ela era a única lembrança sua viva que eu teria, não havia mais nada. Futuramente eu teria que arrumar um emprego melhor, o da lanchonete não seria suficiente para sustentar a minha pequena Sophie, esse foi o nome que eu escolhera para a nossa filha. – As palavras fluíam e ele prestara atenção em todas elas, cada pausa, toda a minha dor. Eu podia ver, no seu olhar o quanto ele estava sofrendo com tudo aquilo, eu prossegui, ainda chorando. - Eu já não dormia bem, passava noites acordadas pensando em você, chorando. Não me alimentava, comida não me parecia algo interessante. – Eu pude sentir o seu olhar sob mim, reprovação, preocupação, espanto. Não hesitei. – Estava anêmica, pálida, magra, havia perdido cerca de 20 quilos. Realmente abatida. Não pensei na nossa filha, não a amei. Eu estava fraca demais para segurar o feto dentro de mim, Joe, ela se fora. – Agora ele entendia realmente o que eu passara todos esses anos, o que eu tivera que suportar durante todo tempo, eu pudera ver através da sua expressão. Dor. Perda. Solidão. Vazio. Essas palavras faziam parte de mim. Eu estava sufocada, nunca havia desabafado tanto. Aliás, depois que Joe saiu da minha vida, e que a pequena Sophie se foi, eu nunca havia conversado com ninguém. Os meus problemas eu guardara para mim e pela primeira vez, estava desabafando. Ele estava completamente perdido. Assim como eu.
– Margareth. Houve uma pausa na sua voz. Ele hesitou. Ele procurava as palavras certas a dizer. Eu podia sentir. Cautela.
– Oi, Joe. Sussurrei.
– Como você pôde esconder isso de mim? Durante todo esse tempo. Como?
– Eu cansei Joe. Da vida, de tudo. De você. De você não me querer, não me procurar, não importar-se comigo. Cansei.
– Quem disse que eu não me importo com você, meu amor? – Ele afagou meus cabelos, assim como nos velhos tempos. Arrepiei-me.
– As suas atitudes. – As nossas palavras soavam como plumas, eram leves e puras.
– Eu não tenho raiva de você, eu te amo. De certo modo, entendo a sua decisão. Você quis proteger-se e proteger a nossa criança. – Ele não conseguira falar. Eu o abracei.
– Justamente, Joe, quis poupar-me de um novo sofrimento, mas acabei causando outro. A perda foi tão dolorosa, você estava saindo de mim, de novo. Mas dessa vez sangrava de verdade. Antes só havia um único vazio no meu peito, hoje há dois, aliás, só há vazio. – As suas mãos percorreram pelo meu rosto delicadamente. Ele contornara com os seus dedos tudo que havia na minha face. Cada toque seu era como um choque aplicado sob minha pele. Podia sentir as ferroadas. O silêncio que se estagnou não me incomodara mais. Apesar de estar chorando, ele enxugara as minhas lágrimas com as costas da mão.
– Prefiro quando você sorri. Disse.
– Morreu junto comigo. Sussurrei.
– Não diga isso, sua boba.
– Você parece não importar-se com a perda. Com a dor. Sussurrei.
– Mag, dói em mim, mas eu não sei por onde começar a falar. Queria ter-lhe poupado de tudo isso, meu bem. Ver a sua dor me mata aos poucos. Saber que eu poderia ter feito a diferença e não fiz, é angustiante. – Ele me pusera no seu colo, como um bebê. O meu colo, do meu Joe.
– Que saudade. Sussurrei ao seu ouvido.
– Senti a sua falta também, Mag.
– Estou falando do seu colo, seu cheiro, seu toque, sua voz. Você por completo. - Ele dissera que também havia sentido falta de tudo isso e beijara a ponta do meu nariz.
– Quando você parte? – Fechei os olhos e me encolhi no seu ninho.
– Para onde?
– Para casa... Respondi-lhe confusa com a sua pergunta. – Fiquei tensa.
– Bom Mag, eu sei que as coisas ainda têm que ser acertadas e que não poderei afagar toda a sua dor, mas pretendo e quero recuperar todo tempo que perdi. – Ele falara tão depressa que custou para que eu entendesse algo.
– O que você quer dizer com isso? - Sem criar expectativas, perguntei-lhe.
– Venha ver... – Então ele levantou-me e abriu a porta da nossa casa e ordenou que eu fechasse os olhos. Eu podia perceber a tensão. Nunca havia gostado de surpresas e sabia que ele aprontara algo. Mas o que? Permaneci com os olhos fechados e ele foi guiando-me. Eu confiara nele.
– Pode abrir os olhos. - Eu podia sentir a expectativa na sua voz, tive medo, receio. Abri os olhos lentamente e não pude acreditar no que vira.
– Joe, o que... o que é isso? Gaguejei. – Aquilo era inexplicável. Como? Quando? Não podia ser real. Era irracional. Eu havia doado tudo. Então, olhei para seu rosto, perguntando-lhe e ele apenas sorriu. Eu conhecia aquele sorriso.
– Depois que você enviou-me aquela carta como forma de desabafo, eu criei coragem e larguei tudo. Voltei para Iowa. Eu não sabia como escrever-lhe e o que me veio em mente foi vir para o nosso apartamento. – As palavras dele ecoavam na minha mente, enquanto isso eu passara por todos os cômodos. Ele tivera colocado tudo no seu devido lugar. Tudo igual, como antes. – Então, encontrei-o vazio. Nada. Havia mofo e poeira. Organizei-o e pus tudo nos seus devidos lugares.  Cada móvel, cada lembrança e quando tudo ficou pronto, percebi que faltava algo. Você. Sem você aqui, nada fazia sentido. Lembrei-me das cartas. Então, voltei a Michigan, para pegar o resto das minhas coisas e enviei-lhe a resposta, afinal, o selo teria que ser de onde eu morava antes. – Ele pausou, respirou fundo e ficou a observar a minha fisionomia, expressão.
– Por quê? Por que você fez tudo isso? – Sentei-me no sofá e pus as mãos sob a cabeça. – Você deixou-me meses a espera de uma resposta... – Pausei e deixei que ele falasse. Ele ajoelhara na minha frente e dissera que a intenção dele era recuperar o tempo que ele fora imaturo e inconseqüente comigo e queria provar-me todo o seu amor, pedir desculpas. Redimir-se.
– Sabe Mag, as palavras às vezes soam de uma forma indesejável. Machucam. As atitudes, um simples olhar, um gesto, podem tocar o coração sem ao menos pronunciar uma palavra. Silêncio, apenas. Eu aprendi isso durante esses tempos. Eu sei que você me escuta, Mag. Você me entende como ninguém. – Ele pausou e respirou fundo. Era minha vez de falar e eu não fazia à mínima ideia por onde começar. O que tivera acontecido? O que tivera mudado entre a gente? Por que todo esse contato? As perguntas surgiam e eu não encontrara explicação. Sem respostas. Sem palavras. Muito tempo havia se passado. Será que eu poderia? Era correto reatar? Se bem que era tudo o que eu mais queria, naquele momento.
– Joe. Parei.
– Oi, Mag, pode falar.
– Não sei o que falar. Dói. A perda. A solidão. A saudade. – As lágrimas caíram sob minha face e ele as enxugou.
– Eu sei meu amor, estou aqui para afagar toda a sua dor que eu puder. Podemos ter outros filhos, quantos quiser. – Eu o interrompi. – Mas nada irá suprir a falta que a Sophie me faz. Você não entende. Minha filha morreu, ela se fora. – Comecei a ficar histérica. Ele abraçou-me e continuou. – Nada será substituído. Deletado. O meu desejo é fazer-lhe feliz. Não posso voltar no tempo e modificar tudo que fiz. Mas a partir de agora, de hoje, quero fazer minha parte, como homem, amigo, namorado e marido. – Meu corpo estava estático, o que eu pudera falar? Como agir?
Então... Você quer reatar? - Sussurrei tão baixo que não sei como ele conseguira escutar.
– Quero Margareth, é tudo que eu mais quero. Eu preciso que você me perdoe ou apenas deixe-me fazê-la feliz depois de tanta dor. – Ele esperava por uma resposta. Faltava-me ar. Coragem. Forças, porém, era o que eu queria. Era o correto. Queria meu Joe de volta.
– O que mais quero é poder chamá-lo de meu novamente. – Sorri com os olhos cheios d’água e ele retribuiu o sorriso.
– Para sempre. – Sussurrou ao pé do ouvido.
– Meu Joe. – Abracei-o.

5 comentários:

  1. Caramba, vc escreve bem demais! Sucesso pra vc, ótimos textos, parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Perfeito como todos os outros! Muito bom camilinha, adoro os seus textos, e espero que tenha mais e mais inspirações para dar continuidade a elas. Parabéns escritora! Já estou esperando o próximo ein. =D

    ResponderExcluir
  3. Menina,que textos são esses hein? AMEI! Escreveu muito bem Mila...dá vontade de ler mais e mais...Parabéns!!

    ResponderExcluir
  4. ainda preciso comentar ?
    muiito lindo *-*

    ResponderExcluir

palavras não ditas: